GP de Cuba: Morte na corrida, guerrilha e sequestro nos bastidores

sexta-feira, 2 de agosto de 2024 às 13:57

Cartaz do GP de Cuba de 1958

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

Os artigos publicados de colaboradores não traduzem a opinião do Autoracing. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre automobilismo e abrir um espaço para os fãs de esportes a motor compartilharem seus textos com milhares de outros fãs.

Fulgêncio Batista se tomou ditador de Cuba em 1952, um governo pautado pela corrupção e violência. Os norte-americanos tinham parte significativa na produção de açúcar e tabaco do arquipélago caribenho, além de controlar setores da economia cubana através de empresas e grupos financeiros.

Os negócios da Máfia estadunidense no país de Batista eram antigos, donos de hotéis, cabarés, cassinos, clubes noturnos, casas de apostas, exploravam com absoluto monopólio prostituição, loterias, jogos, corridas de cavalos. A terra onde quase tudo se permitia de belas e sensuais mulheres ganhava estigma diverso “o bordel mais extraordinário do mundo” ou dignificante como “Paris do Caribe”.

Por ocasião da segunda edição do GP de Cuba (1958) o país vivia tempos incertos devido a crescente ascensão da guerrilha liderada por Fidel Castro. Apesar dos pesares, a corrida destinada para carros esportes e protótipos seria realizada, um projeto visando mostrar à comunidade internacional aparente segurança, a falsa quimera que os insurgentes estavam sufocados e inoperantes.

Treino classificatório pelas ruas de Havana… O carro de Juan Manoel Fangio um Maserati 450S 08 cilindros 400 cavalos que pertencia a uma equipe particular sediada em Miami apresentou problema no motor. Sem tempo suficiente para troca do propulsor Fangio usou na classificação um Maserati 300S 245 cv, bem menos potente e cravou a pole.

Era importante vencer, lá estavam grandes marcas, pilotos do mundial de F1 como Sterling Moss, Phil Hill, Wolfgang von Trips, Jean Behra, Masten Gregory e Carrol Shelby, este último viraria lenda por seus projetos bem sucedidos, Ford Cobra, Mustang Shelby, Ford GT-40.

O argentino confiava na conquista e iria pilotar sua montaria original no dia da corrida o Maserati 450S. A vitória em 1957, a pole-position atual, conhecimento da pista lhe garantia a quase certeza do triunfo.

Véspera da corrida… Turistas lotavam cassinos e clubes noturnos, o luxuoso hotel Lincoln albergava os maiores nomes do automobilismo mundial junto à elite cubana e cosmopolita. Fangio desceu para o saguão do hotel na companhia do empresário e amigo Marcelo Giambertone, momento em que um jovem muito nervoso Manuel Uziel se aproxima do campeão, arma em punho ordena… O senhor deve nos acompanhar.

Giambertone fica paralisado, um hóspede ameaça correr, o sequestrador adverte… Fique onde está, caso contrário mato todo mundo e ainda boto fogo no hotel. Fangio como sempre frio, calmo limita-se a dizer: Então vamos.

Sequestrador e vítima saíram por uma porta lateral onde um Plymouth preto os aguardava, enquanto rodavam pela cidade os rebeldes pediram desculpas: Não temos intenção de lhe causar nenhum mal, amanhã depois do Grande Prêmio o senhor será libertado, nosso intuito é chamar atenção para o “Movimento 26 de Julho”.

Na primeira parada os guerrilheiros trocaram de carro e Fangio foi levado para o cativeiro definitivo, um bairro classe média nos arredores de Havana. Outros homens aguardavam o piloto no local, entre eles Faustino Peres líder do M-26, Arnaud Rodrigues planejador da ação que novamente se desculpou explicando as razões do sequestro.

Segundo Fangio o lugar que lhe fora destinado tinha a mesma comodidade de um quarto de hotel, durante o jantar sentou-se a mesa com os guerrilheiros e conversaram bastante. O piloto mostrou interesse pela vida de cada um deles, enquanto satisfazia a curiosidade dos rebeldes sobre sua pessoa e carreira.

Dia da corrida… O sequestro era principal matéria de rádio, televisão e jornais no mundo inteiro. Uma multidão acotovelada nas calçadas, janelas e praças ao redor do circuito, sem a mínima proteção, aguardava o início da prova.

Com o pentacampeão ausente, Sterling Moss e Masten Gregory disputam a ponta abrindo vantagem sobre os demais competidores. Quinta volta… O Porsche de Roberto Mieres derrama óleo na curva da embaixada americana, a Ferrari do cubano Armando Cifuentes com a visão encoberta pelo carro à frente não consegue desviar da poça, derrapa e investe contra os torcedores matando 06 pessoas ferindo outras 40. Fim trágico da corrida.

A libertação do campeão estava complicada, havia temor que Batista matasse o piloto famoso para culpar Fidel Castro e o ”M-26”. Fangio sugeriu que o melhor lugar seria a embaixada argentina, ligou pessoalmente para o embaixador e acertou a operação resgate, nenhuma autoridade cubana deveria ser avisada.

Antes de sair Fangio deixou um bilhete para os rebeldes: “Durante meu sequestro amável recebi tratamento familiar, atenção e cordialidade. Tudo que fizeram foi pedir desculpas pela situação alheia a minha vontade”. O documento está exposto no Museo de La Revolucion em Cuba.

Destino dos personagens… O pentacampeão retornou a Cuba em 1981 como representante da Mercedes para negociar venda de caminhões ao governo cubano. No aeroporto Fangio foi recebido por Arnaud Rodrigues e Faustino Peres, seus antigos sequestradores agora ministros de Estado. Na ocasião Fidel Castro pediu desculpas pelo ocorrido em 1958.

Fulgencio Batista deposto no final de 1959 e fugiu de Cuba para a República Dominicana carregando uma fortuna que hoje seria algo equivalente a 200 milhões de dólares. A partir de 1962 viveu no Estoril em Portugal até sua morte em 1973.

Armando Cifuentes o piloto causador do acidente sobreviveu e mudou para Espanha quando Fidel Castro assumiu o poder.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

Quer ver todos os textos de colaboradores? Clique AQUI

AS - www.autoracing.com.br

Tags
, , , , , ,

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.