Caloca
segunda-feira, 5 de outubro de 2015 às 20:48Colaboração: Ricardo Reys
É fato que Dietrich Mateschitz, o bilionário dono da Red Bull, deva ter vários livros em sua biblioteca pessoal. Imagino Philip Kotler lado a lado com Seth Godin. Após um ou outro anuário ostentando o nome de sua marca, Maquiavel e, vá lá, Sun Tzu. Prateleira abaixo, um tanto sobre aviões, sua maior paixão, intercalados com guias de viagem. Chakkapong e Salzburg tem vaga cativa. Porém, em toda sua vida, duvido que sequer tenha ouvido falar de “Marcelo, marmelo, martelo”, de Ruth Rocha. Mas pasmem; que me perdoem os autores supracitados, ou os temas de interesse, mas este, sem dúvida, é o livro que mais ajudaria o velho Didi nesse momento.
Nele somos apresentados ao personagem Caloca. Caloca, ou Carlos Alberto, como queiram, era o menino mais rico da rua. De vez em sempre, seus vizinhos se reuniam para jogar futebol. Entretanto, sem condições de adquirir uma simples dente de leite, quiçá uma de couro, usavam era uma bola de meia mesmo. Pedir pro Caloca emprestar a dele? Nada. Ele não cedia. Quer dizer, a não ser que estivesse jogando também. Mas aí, teria que ser tudo a sua maneira; times, quantidade de jogadores, onde era o gol, quem vencia, quem perdia… A verdade é que, qualquer vontade que não fosse a dele, ou qualquer situação que não o favorecesse, Caloca pegava a bola e ia embora para a casa, deixando todos no campo. Sem jogo, sem futebol… sem brincadeira.
Resultado: tiraram ele do time. Coitado, andou e andou procurando outras equipes da vizinhança, mas por todas era rejeitado. Todas conheciam – ou iriam conhecer – sua fama. Acabou sem nenhuma, sem ninguém, isolado, entristecido… Somente com a sua tão visada bola.
A verdade é que nem bola a Red Bull tem mais. Após um casamento bem sucedido com a Renault, o que resultou em quatro títulos de construtores e quatro de pilotos entre 2010 e 2013, a equipe se dedicou a atacar publicamente a parceira de outrora, no instante em que a relação enfrentou seu primeiro percalço de engenharia. No caso, o fraquíssimo motor Energy F1 2014. Pior, com o agravamento do panorama, o cenário desandou de vez em 2015, e após tudo fazer para rescindir o contrato, a equipe enfim conseguiu, logo correndo para a Mercedes.
Recusa dos alemães. Aí cabe uma ressalva. Por mais que o argumento mencionado – ou que se queira acreditar (principalmente por parte da Red Bull e de Ecclestone) – seja a de que a fábrica de Brackley quer evitar concorrência direta, fontes mais informadas garantem também o medo com o temperamento dos rubrotaurinos. Principalmente quando perdem, capazes de lavar a roupa suja em público e fazer a corda pender para o lado que não o deles.
Isso se comprova no seu mais recente pití: vendo na Ferrari a única alternativa viável, a RBR correu para fechar um acordo com os italianos. Porém, antes mesmo de sacramentá-lo, exigiram publicamente um motor igualmente competitivo ao da equipe de fábrica, levantando a hipótese (mais que compreensível) deles não o fazerem e, por decorrência, forçar a sua saída do mundial.
Caloca teve salvação. Em seu desespero, achou a redenção, recorrendo ao velho time de outrora, suplicando para que o aceitassem de volta. Para tanto, também teve que aceitar suas condições. A bola teria que ser doada para o grupo, não poderia levá-la embora.
É ingênuo pensar que relações se baseiam em amizade ou súplicas na Formula 1. O próprio casamento Red Bull – Renault enfrentou diversas crises, mesmo assim, bem menores se comparadas com as de 2014. Os franceses também reclamavam. Principalmente quanto ao crédito que a equipe lhes dava nas suas conquistas e no decorrente retorno de mídia. E isso, no mundo atual, onde o esporte mais depende do marketing, é vital.
Também era mais fácil a situação de Caloca que a da Red Bull. Ele não tinha uma multa de quase 2 bilhões de reais que o obrigava a participar do campeonato, nem centenas de empregados para indenizar em caso de saída do esporte. Em suma, Caloca poderia parar de jogar tranquilamente e se dedicar a, quem sabe…, soltar pipa. Além, claro, a fazer novos amigos. Mesmo assim, voltou ao esporte, treinou com sua equipe e, pasmem, venceu o campeonato da vizinhança.
A Red Bull não é o Caloca. A Formula 1 não é futebol. O paddock não é a vizinhança. É difícil pensar numa saída da equipe de Milton Keynes. Mesmo com todas as ameças públicas, a multa é alta, as indenizações e rescisões idem, tal qual o lucro que advém do esporte, mesmo quando não se está ganhando.
Assim Dietrich Mateschitz se encontra numa sinuca de bico. Se sobrou competência no sucesso, faltou no fracasso. Hoje, sua equipe está queimada, sem norte, com o desenvolvimento estagnado do modelo de 2016, uma vez que não há previsão de qual motor a ser usado. Se outras equipes já se utilizaram de chantagens e jogos políticos para fazer valer seus interesses, o fizeram com o mínimo de cuidado.
Elas sabem que a linha entre arrogância e marketing pessoal é por demais tênue. Saber o seu valor é necessário, principalmente nesse meio. Porém, mostrar egoísmo, falta de comprometimento e até de ética, é um ponto contra tal como seria em qualquer aspecto da vida.
Infelizmente a Red Bull parece perdida em sua própria arrogância. E quanto a isso, nem Kotler, Godin, nem Maquiavel ou Sun Tzu podem ajudar.
Ou se recorre à Ruth Rocha, ou então… a Carlos Ghosn?
Ricardo Reys
Rio de Janeiro – RJ
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